Eu tenho muitos amigos. Alguns amigos me viram nascer, já outros me viram crescer. Alguns amigos eu conheci na juventude. Ah, a juventude… tempo de esperanças, semeaduras, flertes, namoros, desejos de mudar o mundo, sonhar estar ao lado de Che Guevara combatendo o imperialismo capitalista nas florestas bolivianas… morrer por uma causa. Qual jovem nunca sonhou morrer por uma causa digna?
Voltando aos meus amigos, outros eu conheci na luta política. São amigos de sonhos, lutas e caminhadas. Amigos com quem às vezes concordamos, às vezes discordamos e até brigamos. Mas nunca deixamos de sonhar e caminhar, mesmo que em caminhos e trincheiras diferentes… Mas eles estão aí. Lutando, combatendo e vivendo. Porém, eu tenho alguns amigos de sonhos, lutas e caminhadas que não conheci.
Amigos que a “ditadura vivida há alguns anos” tirou-me a possibilidade de conhecer. Amigos como Rubens Paiva, Stewart Angel, Fernando Santa Cruz e tantos outros; amigos como um companheiro do meu pai chamado “Seu André”, que era um “militar de esquerda” – acreditem, isso existiu um dia. Amigos que simplesmente sumiram entre fogueirinhas de papel.
Quando eu tinha 10 anos, minha professora de história contou que houve uma revolução no Brasil. E que era graças ao “governo militar revolucionário” que havia a Transamazônica, o grande progresso em nosso país e que o perigo do tal monstro do comunismo estava afastado. Que bom! Éramos invencíveis! Nem o Paolo Rossi na Copa de 82 poderia nos deter!
Anos mais tarde, no meu antigo Segundo Grau, eu descubro que minha professorinha primária havia mentido descaradamente. Nunca houve a Transamazônica, o único monstro que havia era uma “tal de inflação” que gerava desemprego e recessão e o Brasil havia vivido uma ditadura militar como consequência de um golpe de estado.
Para piorar um pouco, enquanto eu via fotos da Transamazônica no meu livro escolar do primário, pessoas simplesmente eram torturadas e mortas sem que a grande maioria soubesse o que estava acontecendo.
Descobri tudo isso nas aulas de história do meu colégio estadual no Rio de Janeiro e lendo um livro de Dom Paulo Evaristo Arns, que tinha como título “Brasil, nunca mais”.
Fiquei indignado com aquilo. Era demais para mim. Fui enganado pelo meu próprio país. Aliás, boa parte da minha militância juvenil foi motivada pela busca da verdade. Em busca de um pedaço da nossa história que me foi roubada em minha infância.
Para desespero de minha mãe – que viu amigos de meu pai desaparecendo na ditadura em função de sua opção política – eu entro de cabeça na militância político-partidária.
Um pouco pelo desejo de mudar a sociedade, mas principalmente com o desejo de descobrir a verdade. Saber o que houve com o nosso país na década de 70.
A Comissão da Verdade cumprirá um papel fundamental para o Brasil. Esclarecer a verdade. Jogar luz nos porões da ditadura e responder as dúvidas de diversas famílias que tiveram seus familiares torturados e assassinados. Famílias que fazem um velório de quase 40 anos.
Para mim, ela cumprirá também o papel de colocar nos livros dos nossos filhos a verdade, sem manipulação e sem censura.
Eu não quero que meus filhos passem pelo o que eu passei. Muito menos que eles deixem de conhecer amigos assassinados pelo braço do Estado simplesmente porque discordam do governo. Sobretudo que, graças ao trabalho dessa comissão tão esperada, essa triste página de nossa história venha à tona e que nunca mais aconteça.
ROBSON LEITE é deputado estadual (PT-RJ).
Fonte: O Globo